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Falhas da Saúde param na Justiça

Judicialização. Sem acesso a medicamentos ou tratamentos, cerca de 21 mil catarinenses encontram esperança em processos
A espera de Arthur.

Prestes a entrar no oitavo mês de gestação, Daniela Salvador, 31, ouviu aquilo que nenhuma mãe gostaria: Arthur não reagia. Estava abaixo do peso, não se desenvolvia e caso não apresentasse uma melhora no quadro em três dias, ela seria submetida a uma cesariana de emergência, sem que o bebê tivesse chances reais de sobreviver. “Nesse dia, quando a médica me falou, eu saí do consultório, parei o carro na Beira-Mar e comecei a chorar”, recorda hoje com Arthur, de dez meses, no colo. “Milagres acontecem”, resume a mãe. Em três dias, o bebê ganhou 400 gramas. Nem os médicos acreditaram.

Em 12 de setembro de 2014, às 20h32, Arthur nasceu. Pequeno, franzino, dependente de muitos cuidados, sobreviveu. Em poucos dias estava em casa. Mas o quadro piorou. Aos três meses, Arthur pesava menos do que quando veio ao mundo, com 3,170 quilos. “Ele ficou em pele e osso”, descreve. Daniela mudou de médico, de remédios, mas a reação não ocorria. Foi nessa época que a família descobriu o que causava os problemas enfrentados pelo pequeno menino de grandes olhos escuros, pele clarinha e vasta cabeleira preta, que o rendeu o apelido de Elvis entre as enfermeiras que o atendem no posto de saúde.

Arthur foi diagnosticado com citomegalovírus, doença que contraiu ainda na gestação e dificultava o desenvolvimento. Além disso, dentro da barriga de Daniela, o bebê sofreu um problema na artéria cerebral, que impedia que recebesse nutrientes conforme era necessário. Tudo isso ocasionou o quadro de fragilidade, que aumentou com a intolerância a leites prescritos pelos médicos. Daniela amamenta Arthur, mas isso não é suficiente. “Nos primeiros meses, nós introduzimos todos os tipos de leite, mas o organismo dele não aceitou”, conta Daniela. Arthur tem hoje 68 centímetros e 7,350 quilos. É pequeno para a idade.

O único leite que deu resposta se chama Neocate. É importado e custa R$ 180 por lata. Arthur consome uma a cada três dias. São R$ 1.800 gastos por mês apenas com o alimento. Daniela não tem como manter. “Entrei na Justiça no fim de janeiro. Em fevereiro, o juiz solicitou documentações. Algumas coisas demoraram mais de 20 dias para eu conseguir mandar. Só em março ele tinha todos os documentos pedidos. Mas aí começou a greve do Judiciário, e atrasou tudo”, relata. Quando a paralisação terminou, o juiz responsável pelo caso saiu de férias. Hoje, o processo se encontra no gabinete do magistrado, aguardando a deliberação.

Daniela também não tinha condições de pagar um advogado, mas uma profissional, sua amiga, entrou com a ação sem cobrar. É ela que monitora a situação e a expectativa é que se resolva logo. “Não imaginei que na Justiça ia demorar, até porque uma criança não pode ficar esperando tanto tempo. Se eu tivesse ficado esperando pela Justiça, eu não sei o que teria acontecido com o Arthur”, lamenta a mãe.

Nesse período, Daniela tem se virado com o dinheiro da família e com a ajuda de amigos. Campanhas foram feitas nas redes sociais, notas saíram em jornais. “Com o montante arrecadado, no final, eu consegui comprar leite para dois meses”, agradece. Ela não desistiu e espera que seu caso sirva de exemplo para outras mães. “Elas têm que ir atrás. Não podem desistir na primeira porta que fechar”, orienta. “Expus a situação do meu filho por isso, para que sirva de exemplo”.


Se de um lado o valor gasto pelo governo do Estado com a judicialização da saúde, no ano passado, seria suficiente para manter 13 hospitais por dois meses e atender 80 mil pessoas, de outro, mães como Daniela Salvador, 31, vivem o drama de aguardar um medicamento especial para o filho e não recebem a assistência necessária do poder público. Se de um lado há demandas consideradas triviais, como pedidos de creme hidratante ou biscoitos, há, por outro, pessoas que correm o risco de morrer caso não sejam atendidas, como Saray Martins, 56.

Se de um lado há os que, em vez de percorrer todos os caminhos dentro do SUS (Sistema Único de Saúde), optam por entrar na Justiça, passando, assim, na frente de muitos que aguardam em extensas filas, há, por outro lado, os que andaram em órgãos públicos à exaustão e, sem resposta, iniciaram uma nova romaria, desta vez judicial. Não há apenas um aspecto quando se trata da judicialização na área da saúde. O que existem são dramas comuns entre os que recorrem à Justiça e críticas semelhantes entre os operadores do sistema.

Saray morreria se não conseguisse o remédio prescrito depois de fazer uma cirurgia de urgência no intestino. A injeção, que usou por dois anos, custava R$ 30 por dia. Hoje ela está curada. Daniela ainda espera. Há seis meses mantém um processo em que pede um leite especial para o filho Arthur, de dez meses. O custo mensal, que até agora sai do bolso dos pais da criança, é de R$ 1.800. Na mesma situação de Daniela estão quase 21 mil catarinenses, que entraram na Justiça para ter acesso a algo que não é fornecido pelo sistema. No ano passado, o governo do Estado gastou R$ 160 milhões, 10% do orçamento de investimentos na saúde, para atender a demandas judiciais.

As diretrizes básicas do SUS são universalidade, equidade e integralidade. Para garantir que esses preceitos sejam cumpridos, o poder público criou políticas de implementação do sistema. Passam desde o fornecimento de medicamentos de atenção básica até procedimentos cirúrgicos de alta complexidade. Tudo isso deve ser oferecido de maneira gratuita ao cidadão.

Mas e quando o medicamento não é fornecido pelo governo? E quando faltam leitos? E quando é necessária uma cirurgia, mas a fila de espera é longa? A alternativa é entrar na Justiça, como Saray e Daniela fizeram.


A vitória de Saray

Em 2008, Saray Aparecida Rosa Martins, 56, sofria com fortes dores abdominais. Seu sistema digestivo não funcionava. Ela procurou um médico e no mesmo dia, foi submetida a uma cirurgia de emergência. Corria o risco de morrer caso o quadro clínico agravasse. Foi só depois do procedimento que soube o que havia acontecido. Saray teve uma isquemia mesentérica. “É um problema no intestino, um coágulo que obstruiu e necrosou parte”, explica. Na cirurgia, foram tirados 50 centímetros do órgão. “Quando terminou minha irmã perguntou ao médico se era um câncer. Ele respondeu: ‘era pior’”, conta. Segundo os especialistas, havia o sério risco de uma infecção generalizada e de Saray não sobreviver. Mas o drama não encerrava ali.

Foram 21 dias entre hospital e casa no pós-operatório. Ao voltar ao médico que determinou a cirurgia, Saray foi orientada a procurar um especialista em sangue para investigar o que causava os coágulos. “Foi descoberta uma síndrome que faz o processamento errado de uma vitamina, uma coisa bem rara”. O medicamento para tratar a doença se chama Clexane, e foi prescrito pelo especialista. Ao buscar a injeção, da qual dependeria diariamente por tempo indeterminado, Saray foi surpreendida pelo valor. Cada dose custava R$ 30. “Me desesperei porque era muito caro. Pesava muito no meu orçamento. Liguei para uma amiga e contei a situação. Ela me orientou a procurar o SUS”, conta. “Eu não tinha noção do que estava passando. As pessoas temiam mais pela minha vida do que eu. Eu as vi apavoradas. Era um fazendo promessa, outro de joelho na minha cama rezando”, recorda.

Saray percorreu todo o caminho no sistema público. Foi encaminhada a diferentes locais, acumulando uma vasta papelada, mas recebeu a resposta que a medicação não era padronizada, portanto, o acesso não seria fácil. “No final tive que buscar uma advogada. Ela entrou com ação e foi rápido. Em 20 dias eu tinha a medicação e dali eu sempre recebi certinho”, lembra.

Foram dois anos tomando o remédio. Quando deixou de ser necessário, o SUS foi informado e parou de fornecer. Saray estava curada. “Eu tive facilidades”, ela admite. Saray ressalta a ajuda da família, o acesso a um profissional da área jurídica e o fato de conhecer a cidade.

Para ela, o mais difícil não foi aguardar pela Justiça, mas percorrer os caminhos dentro do SUS. “O difícil é entrar no sistema. Depois a coisa acontece. O complicado é decifrar tudo aquilo”, analisa. “Minha irmã me acompanhava e eu comentava com ela: nós temos carro, conhecemos a cidade. Imagina quem não tem a mesma condição”, questiona. Ela afirma que “não entendia nada do que diziam”. “Não sei se era em função do pós-operatório. Era minha irmã que decifrava o que eles diziam”, lembra.

Apesar disso, Saray orienta que pessoas que passem pela mesma situação sigam o que ela fez. “Eu aconselho que busque sim o Estado para respaldar na questão do medicamento, como um direito que a gente tem. Mesmo que o atendimento seja um pouco truncado”, sugere. “Mas vai com alguém que esteja com a cabeça boa para ajudar a resolver”, pondera. Para ela, o cidadão “tem que pressionar para o Estado fornecer o que é de direito”.


Estado deve gastar R$ 200 mi em 2015

Em 2014, o governo de Santa Catarina recebeu 5.610 novos processos, a maioria obrigando a compra de remédios. Hoje o total de causas em andamento chega a quase 21 mil pacientes. O custo representa quase 10% do orçamento total da secretaria, livre da folha. Os análogos de insulina são os pedidos mais comuns, mas o valor mais expressivo é investido no tratamento do câncer. Os medicamentos oncológicos representam R$ 80 milhões dos gastos de 2014.

Apesar de a Justiça considerar que município, Estado e União são solidários nas ações judiciais envolvendo a área da saúde, a maior parte da conta é paga pelo governo do Estado. O primeiro motivo é que na hora de acionar o Judiciário, raramente o cidadão procura a Justiça Federal, responsável pelos processos envolvendo a União. O segundo é que o município é responsável pela baixa complexidade; o Estado, pela média; e a União pela alta. A maior parte da demanda está no segundo tópico.

O SUS tem ampliado a lista de medicamentos oferecidos, segundo o Ministério da Saúde. Em 2010, eram 550 itens; hoje, são 840. O investimento na compra de medicamentos cresceu 78% em quatro anos, chegando a R$ 12,4 bilhões em 2014. Para 2015, a previsão é de que chegue a R$ 14,3 bilhões.


Busca por direitos desperta polêmica

Judicialização da saúde: Entre a luta pela sobrevivência e os abusos, especialistas divergem sobre critérios

Governo cria núcleo técnico para orientar decisões de juízes.

O que motiva o alto número de processos não é a precariedade no atendimento oferecido pelo SUS (Sistema Único de Saúde), avalia Daniel Cardoso, procurador do Estado que atua na Secretaria da Saúde. “O meu diagnóstico é o seguinte: falta informação. Porque para quase tudo o SUS prevê uma linha de atendimento”, garante. Ele exemplifica: “o médico receita o medicamento ‘x’, que não é padronizado. Mas a gente tem o ‘y’ e o ‘z’, que são. Às vezes o médico não conhece, o paciente não conhece, e quando chega para o juiz, está da seguinte forma: ‘preciso do medicamento ‘x’ sob pena de colocar minha vida em risco’”. Assim, o juiz determina o fornecimento por meio de liminar.

Outro problema, segundo ele, são as solicitações consideradas triviais. “A gente tem demanda de fralda, de xampu, de creme da La Roche. É prescrição médica, tudo bem, mas até que ponto o Estado tem que fornecer creme La Roche para o cidadão?”, questiona.

Como forma de reduzir o número de processos e o consequente gasto com isso, o governo do Estado tem criado algumas ferramentas. Uma delas, em andamento, é a criação de um grupo de assessoramento técnico para o Poder Judiciário. “A gente vai criar um núcleo com farmacêutico, médico, enfermeiro, que de forma rápida analise o caso do paciente e possa dizer se há alternativas, sem colocar a vida em risco”, explica Cardoso. Experiência semelhante feita no Rio de Janeiro reduziu os gastos com judicialização em 25%.

Outra medida adotada foi um decreto assinado pelo governador Raimundo Colombo (PSD), no último dia 30 de junho, que orienta os profissionais a prescrever medicamentos e solicitar exames e procedimentos previstos pelo SUS. O decreto deixa margem para as exceções, que podem resultar na judicialização. No caso do médico necessitar prescrever medicamentos ou procedimentos não padronizados, deverá ser apresentada justificativa técnica que demonstre a inadequação, a ineficiência ou a insuficiência.

Para o procurador, mais que economizar com estas medidas, o governo precisa trabalhar para que o cidadão confie no sistema. “As pessoas têm uma impressão bastante errada do SUS. Ele serve de exemplo para o mundo inteiro. A minha proposta é de resgate da credibilidade do SUS demonstrando que sim, a gente tem condição de resolver os problemas”, afirma.


Pedidos afunilam no Ministério Público

Uma série de fatores que resultam na judicialização são apontados pela promotora Caroline Cabral Zonta, do CDH (Centro de Apoio Operacional dos Direitos Humanos e Terceiro Setor) do MP-SC (Ministério Público de Santa Catarina). “Muitas vezes, os profissionais da medicina não conhecem o que está padronizado, ou conhecem, mas acreditam que outro medicamento é mais eficiente”, opina. Para ela, os números refletem também “uma falta de organização administrativa para fornecer o medicamento”.

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Caroline Cabral Zonta, promotora do MPSC

Segundo Caroline, é preciso prioridade ao que está previsto pelo sistema. “Nós participamos de uma conversa com médicos e uma profissional da área de oncologia contou que muitos pacientes chegam ao consultório dizendo que querem tal medicamento, que muitas vezes é experimental, na Europa”, conta. Para ela, isso deve ser evitado. “A judicialização não vai ter um fim”, garante. Mas só deve ocorrer, para a promotora, em casos excepcionais.

Pedido de remédios e atendimentos são uma demanda constante do MP-SC. No CDH, Caroline recebe diariamente as portarias dos procedimentos instaurados pelos promotores em todo o Estado. “Cerca de 80% do que nós recebemos está envolvido com a área da saúde”, afirma. Mas o número, para a promotora, não é o maior problema. “As pessoas ficam em situação de desespero e com razão, porque já procuraram no posto, na Secretaria de Saúde e, se não conseguiram atendimento adequado, procuram a Justiça”.

A sugestão de Caroline é que, ao acionar a Justiça, a recepção seja humanizada. “Para os operadores do direito e da saúde, é muitas vezes mais um caso. Mas, para a pessoa que procura, é o caso da vida dela”, pondera. O defensor-geral do Estado, Ivan Ranzolin, faz o mesmo pedido. “As pessoas não sabem como funciona a Justiça, e não só as mais carentes. Quando chegam aqui, já foram para tudo que é lado, ninguém atendeu”, explica. “Não se brinca com a saúde. Ou faz andar rápido, ou judicializa”, compara o defensor.

Na Defensoria Pública do Estado, são atendidas pessoas de baixa renda, e a prioridade é a conciliação. “Não posso dizer que salvamos vidas, mas evitamos que as pessoas fiquem muito doentes. Pode postergar qualquer tipo de situação, a saúde não”, defende.

A promotora Sonia Piardi, da Comissão Permanente de Defesa da Saúde, concorda, mas pede que as tentativas dentro do SUS sejam esgotadas antes que se procure a Justiça. Ela critica a opinião do governo do Estado de que a judicialização rompe com os preceitos do SUS. “Realmente tem que haver um tratamento igualitário, mas igualitário dentro das diferenças. Cada indivíduo tem sua peculiaridade. Ser igualitário não quer dizer que tem que nivelar por baixo, tem que nivelar de acordo com a necessidade do cidadão”, acredita.


A tramitação dos processos não é rápida, mas na maioria dos casos são concedidas liminares que determinam o imediato cumprimento, mesmo quando não há urgência. Há posições críticas sobre os pedidos. “A judicialização, que surgiu como uma opção para resolver um caso extremo, se tornou uma porta de entrada paralela, através da qual você consegue de forma mais rápida aquilo que não tem para todo mundo”, analisa o procurador do governo do Estado que atua na Secretaria de Saúde, Daniel Cardoso.

A promotora Caroline Cabral Zonta, do Ministério Público, concorda. “O SUS tem diretrizes e princípios, e um deles é o atendimento universal e igualitário. Estabelece que todos na mesma situação devem ser atendidos da mesma forma. A judicialização quebra o tratamento igualitário”, pondera.

O problema é que quando o número de ações judiciais cresce, o sistema, que já é falho, piora. O valor gasto é retirado do disponível para investimentos. O governo do Estado estima que irá desembolsar R$ 200 milhões com os processos em 2015. “O Judiciário vai roendo a política pública para cumprir ela de uma outra forma, que não a institucional”, diz o corregedor do Tribunal de Justiça, Paulo Roberto Froes Toniazzo. “Nós precisamos quebrar esse ciclo. A judicialização tem que ser a última instância do problema”, sugere.

Apesar de altos custos, o defensor-geral, Ivan Ranzolin, entende a necessidade de buscar na Justiça o acesso à saúde. “É caro judicializar? Não é. Caro é uma obra inacabada, é passar mais de 20 anos investindo em uma ponte e ela nunca ficar pronta. Isso é caro. Atender as pessoas, não”.


Descontrole impacta no Tribunal de Justiça

Ninguém discorda que, em muitos casos, a judicialização é a única forma de conseguir gratuitamente o atendimento necessário. Mas também é consenso entre os operadores do sistema que o alto custo pode prejudicar investimentos. “Da forma como está, vai inviabilizar o sistema. Porque quando as pessoas procuram o Judiciário e demandam uma questão que não é de urgência, e como o Judiciário trata da questão do ponto de vista individual, o Estado não consegue cumprir a missão coletiva”, pontua o corregedor Paulo Roberto Froes Toniazzo, do TJ-SC (Tribunal de Justiça de Santa Catarina). Ele critica ainda que “há uma tendência das pessoas de, na primeira dificuldade, judicializar”.

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Paulo Roberto Froes Toniazzo, corregedor do TJ-SC

Uma série de falhas também interfere. “Se alguém pedir, pode ser o mais absurdo, o juiz tem que analisar. Ele analisa dentro dos limites do processo. Se for necessário, o juiz vai condenar o Estado a pagar. E normalmente são prazos exíguos. Não há preocupação em saber se vai ser atendido primeiro o que judicializou ou aquele que está mais tempo esperando na fila para o mesmo atendimento”, diz.

Critica, também, o que chama de “problema de gestão”. “A pessoa vai ao posto de saúde e tem um medicamento que é fornecido pelo SUS. Mas como o Estado depende de licitação, de entrega, de fornecedor, naquele dia não tem. Mas dali a dez dias vai ter. O que a pessoa faz: ela vai para o Judiciário, que determina que o Estado tem que fornecer”. Assim, segundo ele, o Estado é onerado, gasta-se com processo, advogado e o medicamento, que acaba sendo adquirido por um custo mais alto.

Falta controle ao Estado, que é quem também sofre com o alto custo da judicialização. “Vamos supor que a pessoa precise de um medicamento que custe R$ 200. O Estado não dá, então ela entrava no Judiciário”, cita. A partir deste momento, tem todo o custo do servidor, do juiz e do procurador. “Quem resolve é um perito, que temos que nomear. Vamos supor que o perito cobre R$ 500. Então tirando todos os custos fixos, só a necessidade de contratar um perito é maior que o custo do medicamento”, contabiliza o corregedor. “É obvio que o sistema não pode caminhar dessa forma”, completa.

Muitas vezes, segundo ele, o remédio continua a ser fornecido depois do tratamento encerrar. “Há relatos de pessoas que passam a vender o medicamento”, conta. Entre os absurdos contabilizados por Toniazzo, há ainda outros casos. “Um problema que já minimizou, mas existe, é que como tinha multa caso atrasasse o fornecimento e a multa ia para a pessoa, ela não reclamava da demora e ficava esperando e recebendo o valor”. O problema tem muitas variáveis, mas todas elas, de algum modo, se ligam à melhoria da gestão. “Temos que construir alguns consensos mínimos. Quando começarmos a fazer pontes, vamos melhorar a gestão”, diz Toniazzo.


Médicos definem orientações para reduzir processos

A demorada atualização das listas de medicamentos fornecidos pelo SUS é criticada pelo presidente da ACM (Associação Catarinense de Medicina), Rafael Klee de Vasconcellos, mas ele faz também um mea culpa sobre a atuação dos médicos. “Há medicamentos em que houve avanço tecnológico muito grande, como na área oncológica. Também insulinas e outros. O SUS tem uma política de medicamentos bem desenhada, mas tem uma lentidão de incorporação tecnológica muito grande”, aponta.

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Dr. Rafael Klee de Vasconcellos, presidente da ACM

Observa ainda que “no dia a dia, o médico fica muito alheio ao sistema e prescreve” o que não está padronizado. “Os médicos focam muitas vezes na atividade fim, que é o atendimento ao paciente, e no código de ética médica, que diz que você não deve medir esforços para atender ao paciente. Então, às vezes o médico desconhece que é possível adotar medidas econômicas para garantir o fornecimento de determinado medicamento”, explica Vasconcellos.

A ACM tem adotado medidas para reduzir a judicialização, mas a principal delas não teve continuidade. “Em 2005, criamos uma comissão técnica que trabalha dando celeridade aos processos, deixando bases de consulta para o Judiciário prontas. Em vez de o juiz partir direto para liminar mandando pagar o medicamento, teria uma rápida resposta se aquele medicamento deveria ser concedido ou não”, explica. O problema, segundo ele, é a dificuldade de financiamento. “Ainda não se acordou como serão pagos esses pareces. Porque eles têm que ser produzidos por profissionais de alto gabarito. Não andou por causa disso”, conta. A ACM já fez proposta para o governo do Estado para que o trabalho fosse financiado, mas não deu frutos.

Vasconcellos defende que a proposta deveria ser revista. “O valor que o governo gasta só perde para os dois maiores hospitais. O terceiro maior hospital é a judicialização”, pontua. Ele também critica a “banalização” da busca de atendimento por meio da Justiça. “Tem fornecimento de fralda, biscoito especial. Tem muita coisa séria, importante, e tem muita bobagem. Muitas vezes se judicializa medicamento que está na relação”, lamenta.

O médico observa que o direito individual não pode ferir o coletivo e “afetar o planejamento”. “Como o sistema é falho, as pessoas judicializam mesmo. É um problema porque vai aumentando a conta e vai deixando de investir em promoção, prevenção”, analisa.

Fonte:  Notícias do Dia, 11/07/2015

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